sábado, 1 de outubro de 2011

Infiéis por aí


Foto: Kiko Vieira
O Infiéis por aí foi ao Encontro Marcado com Wilson Batista (projeto 7 em ponto – Teatro Carlos Gomes), e lá conferiram o que já sabiam: que o espetáculo e o disco são dignos de figurar na agenda dos mais exigentes amantes do samba.
Para aquecer,  os pesquisadores, cantores e atores Rodrigo Alzuguir e Claudia Ventura cantaram quatro músicas, entre elas o “Ganha-se pouco mas é divertido” e “Chico Brito”, regadas a cachaça e carisma. O show  propriamente dito começa a partir de  um panorama da vida de Wilson com trechos da peça que ficou em cartaz e rolou por aí em 2010 e 2011. Wilson Batista está lá com todas as suas paixões: mulheres, futebol, boemia. O Cronista do Samba é retratado de forma tão divina que é impossível não sair do espetáculo com a consciência de amplitude de sua obra e irremediavelmente apaixonado pelo grande compositor.
Para completar o que já era perfeito, Cristina Buarque, Tantinho da Mangueira e Marcos Sacramento interpretaram as músicas que cantam no CD. Na saída do Carlos Gomes ficou uma ponta de saudades do Sarau Infiéis 2008, aquela singela homenagem do Louva Deus ao nosso Cronista do Samba.
Quanto ao CD o que podemos dizer  é que para os Infiéis e os nem tanto vale a pena adquirir essa jóia da discografia:
“O Samba carioca de Wilson Batista” – Biscoito Fino - 2010
O CD é duplo com 44 músicas, CD 1 com convidados interpretando músicas em sua maioria raras ou inéditas de Wilson Batista. CD 2 tem o repertório do espetáculo teatral.
Wilson Batista por Infiéis:
Wilson Batista era o sambista da "Esquina do Pecado", um reduto dos sambistas em início de carreira, uma espécie de Café Nice, porém para os pobres. Onde se reuniam os sambistas da vertente da malandragem, da vadiagem, da orgia, da gandaia.  Já os freqüentadores do Café Nice representavam o sambista respeitável, boêmio, mas, profissional.  Wilson sempre quis viver de música. Em 1929, com apenas 16 anos  fez seu primeiro samba « Na estrada da vida », lançado pela Araci Cortes (na época estrela do Teatro Recreio e a cantora mais popular do Rio de Janeiro).  O seu primeiro samba gravado, aparece em 1932,  "Por favor vai embora", parceria com Benedito Lacerda e Osvaldo Silva lançado por Patrício Teixeira na Victor. Ainda na década de 30 o seu samba « Desacato » em parceria com Paulo Vieira e Murilo Caldas é gravado pelos três grandes intérpretes da época : Francisco Alves, Castro Barbosa e Murilo Caldas.
Polêmica :
Em 1933, Sílvio Caldas gravou na RCA Victor o samba "Lenço no pescoço",  com uma letra que é pura apologia ao malandro. O samba traça o retrato perfeito do malandro carioca do início do século 20, iniciando a conhecida polêmica  com Noel Rosa que rendeu belos sambas de ambas as partes. Para além da polêmica a obra de Wilson Batista é grandiosa. Os bairros, os bondes, tudo era referencial na música de Wilson.  Suas músicas falam do dia-a-dia da favela, dos subúrbios, das Escolas de Samba, da boemia, pintando um retrato do Rio de Janeiro que nos permite ir além da musicalidade e tocar a vida dos seus personagens, como viviam, o que sentiam, quais seus problemas cotidianos. O amor que enlouquece, a dor que dilacera com a separação, a mágoa, a vingança, o amor fingido, comprado, alugado, o amor incondicional... A dureza do batente, o lazer, a orgia, o trabalho duro, as relações familiares, a condução... enfim os espaços físicos e emocionais por onde transita o homem comum da primeira metade do século XX estão  lá nas composições de Wilson Batista. A beleza  de sua melodia representa um nível de criatividade e padrão estético diferenciado. Basta ouvir os clássicos “Meus Vinte anos”; “Nega Luzia; “Chico Brito” e “Mãe Solteira” para descobrir o que há de inovador no samba de Wilson Batista. Sua variação musical é enorme, ajudou a formar o samba de breque: “Acertei no milhar” (Geraldo Pereira foi incluído como parceiro a pedido do cantor Moreira da Silva, que a lançou em 1939). Sem contar os grande sucessos para o carnaval, e outras marchas imortais, entre elas: « Boca de Siri » uma música totalmente referencial com citações de várias músicas ; e a bela « Mariposa » que veio ao mundo para morrer queimada... O seu último sucesso do carnaval carioca foi "Cara Boa", marchinha composta em parceria com Jorge de Castro e Alberto Jesus, gravada por César de Alencar.
 Um capítulo a parte é o futebol. Chegado a uma boa confusão e flamenguista doente, cantou as alegrias e agonias do futebol, as esperanças, as tristezas, descreveu o sofrimento da derrota em « E o juiz apitou », a alegria e a festa da torcida em « Samba Rubro-Negro ». Fez ainda o "Rei do futebol", com Jorge de Castro. Na década de 50 a marcha   "Mané Garrincha"   que homenageou o jogador Garrincha, do Botafogo. Além do seu sucesso "No Boteco do José", música que tira sarro da torcida do Vasco (que na época tinha um dos melhores times do Brasil) sucesso na voz de Linda Batista no carnaval de 1946.
A vida dura :
Constantemente sem dinheiro, trocando dia pela noite muitas vezes vendeu composições suas. O português Germano Augusto, que era mestre em "descobrir" músicas entre os freqüentadores da zona do baixo meretrício tornou-se logo seu amigo. E através deste conheceu o bicheiro China, para quem vendeu várias músicas.  Dava parceria e assinava as músicas com o nome da mulher ou do tio para fugir dos credores.
Censura :
Na década de 1940, sua temática muda, não apenas pela influência de novas parcerias, mas principalmente pela proibição por parte do Estado Novo,  da exaltação da malandragem.
É assim que nasce seu « Bonde São Januário » em parceria com Ataulfo Alves, que faz apologia ao trabalho. A música foi cantada de forma diferente no carnaval de 41:  no lugar de  "O bonde São Januário/Leva mais um operário/Sou eu que vou trabalhar", eram cantadas duas versões: "O bonde São Januário  leva mais um otário/Eu é que não vou trabalhar" e a versão das torcidas "O bonde São Januário um português otário/Pra ver o Vasco apanhar".
 Morre em 07.07.1968.
Já abatido e doente,  morre sem dar seu depoimento ao Museu da Imagem de do Som aos 55 anos.

Para Saber mais:
GOMES, Bruno Ferreira. Wilson Batista e sua época:  Rio de Janeiro: Funarte, 1985.
MATA, Claudia. Acertei no milhar : Samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1982.
PIMENTEL, Luís; VIEIRA, Luis Fernando. Wilson Batista: Na corda bamba do samba (Perfis do Rio) Rio de Janeiro: Relume Dumará; Rio Arte, 1996.

Para ouvir:
Wilson Batista. Funarte. ( 1985)
Ganha-se pouco, mas é divertido. Cristina Buarque (2000)


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